Palavras ao Vento Literatura

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

PARADOXOS



Sentado na beirada da cama, com a bíblia aberta numa passagem marcada do evangelho, Benjamim - instantaneamente, como num flash, num insigth - viu-se diante de uma realidade que não estava sujeita a explicações lógicas. Antes, pelo contrário, estava repleta de paradoxos e onde o maior deles era o próprio Deus e o que restou foi um enorme vazio no peito.
- Sem dúvida – pensou -, nenhum outro livro tem mais paradoxos do que este. Teve a nítida impressão de que se o sacudisse, dele cairia uma torrente de coisas inexplicáveis. Segurando-o entre as mãos, percebeu que segurava “paradoxos”, pensamentos e argumentos que contrariavam os princípios básicos e gerais que costumam orientar o pensamento humano, desafiando a opinião concebida, a crença ordinária e compartilhada pela maioria.
- Mas, o que era um paradoxo? – Se perguntou e em seguida começou a procurar uma resposta ou respostas.
- Um paradoxo é uma ideia contraditória, ou pelo menos, assim parece sê-lo, mas, também pode ser alguma ideia contrária à opinião aceita, contrária ao bom senso, ou, meramente contraditória, ou, ainda algo que pareça autocontraditório. Também pode ser uma ideia ou uma declaração aparentemente absurda, mas que, na realidade, pode exprimir uma verdade. Por último, podem ser declarações ou ideias que, efetivamente, são absurdas ou falsas, e, portanto, “inacreditáveis”.
Com as rédeas do pensamento soltas, lembrou-se de um filósofo grego místico da antiguidade que expôs o que ficou conhecido como “paradoxo do mentiroso”, que dizia: “Se um mentiroso confesso disser: Se estou mentindo, estou dizendo a verdade?”.
- Na verdade, não temos certeza sobre o que pensar então – disse Benjamim e logo se lembrou de outro que veio confundi-lo ainda mais. Este escrevera, em uma das faces de cartão: “A sentença do outro lado deste cartão é verdadeira”. Virando o cartão, achava-se a declaração: “A sentença do outro lado deste cartão é falsa”. Ora, se é assim, que cada um faça a sua escolha – disse para si mesmo.
Para Benjamim, dizendo-se que uma sentença é verdadeira é dizer que estamos concordando com uma sentença, mas, se ela exprime, realmente, uma verdade já é coisa bem diferente. E como podemos ter certeza?
As pessoas odeiam complicações que perturbem os seus sistemas e Benjamim não era diferente. Segundo ele pensava, um paradoxo nos deveria levar a fazer a seguinte admissão: Lamento, mas não sei como dar uma resposta lógica e isenta de dificuldades a este problema.
A dificuldade é que aqueles que se dedicam à ciência ou estudo que se ocupa de Deus, de sua natureza e seus atributos e de suas relações com o homem e com o universo não gostam de fazer tal admissão. E alguns são extremamente arrogantes acerca de seus sistemas, reduzindo sua teologia em humanologia – pensava Benjamim.
Por outro lado, alguns estudiosos assumem a tarefa de mostrar que os paradoxos não são autocontraditórios. Mas eles só conseguem convencer a si mesmo, e a seus alunos particulares.
Andando de um lado para o outro, entrando e saindo de todos os cômodos da casa, ao mesmo tempo em que pensava, falava.
- Enquanto eu não for vastamente mais inteligente do que sou agora, e enquanto meu conhecimento não for quase infinitamente superior do que é atualmente, não poderei escapar desses paradoxos. A linguagem humana não pode reduzir verdades a proposições perfeitamente lógicas. Este é um pensamento por demais absurdo para merecer a minha consideração. Há experiências espirituais que ultrapassam as categorias da intelecção humana, sendo experiências que não se pode nomear ou descrever em razão de sua natureza, força e beleza; que não podem ser expressas em termos da linguagem humana.
Qualquer tentativa para explicar o Mysterium Tremendum que é Deus, automaticamente envolve-nos em uma série de paradoxos... Deus é pessoal ou impessoal? e como? Deus é infinito, mas manifesta-se no finito? e como? Qual a síntese verdadeira desses problemas acha-se na Mente divina, mas não na humana? Os homens têm teses e antíteses. Para efeito de harmonização, as teologias sistemáticas ignoram alguma tese ou antítese. Mas não são capazes de elaborar uma síntese apropriada.
Além disso, ele não aceitava as explicações antropomórficas que os homens oferecem, na tentativa de explicar Deus. Tais explicações expõem um super-homem, e não um Ser transcendental. Mas, nenhum de nós realmente compreende a infinitude...  E o que fazemos? Usamos essas palavras para esconder nossa ignorância com declarações aparentemente profundas.
O mesmo acontece quando falamos sobre o espírito. Sabemos que se trata de algo bem diferente da matéria, mas não podemos apresentar boas definições nem da matéria e nem do espírito. E em seguida, quando procuramos dissertar sobre o Espírito Absoluto, ficamos essencialmente vazios de descrições; e mesmo quando se consegue balbuciar alguma coisa, isso fica muito aquém da realidade dos fatos. Somente aqueles que são ingênuos não conseguem reconhecer essas dificuldades.
Saímo-nos um pouco melhor quando falamos sobre o homem. O homem é espírito e matéria. E mesmo assim, a experiência humana e o misticismo, de um modo geral, têm-nos dado mais descrições sobre os homens do que sobre o Ser Divino. E o nosso conhecimento científico não tem contribuído grande coisa para dispersar os mistérios que circundam o ser humano, a sua origem, a sua vida presente e o seu destino.
Aquele livro falava sobre o Deus-homem encarnado, chamado Cristo, em sua missão messiânica. Para Benjamim, isso constitui um paradoxo e algo que somente pode ser aceito mediante a fé... De alguma maneira inexplicável, o divino e o humano fundiram-se em um único ser, Cristo Jesus. Mas até hoje ninguém descobriu uma maneira muito inteligente de descrever essas duas naturezas, tão diferentes entre si, que podem coexistir em uma única pessoa. Os estudiosos têm lutado muito para prover algumas úteis definições; mas é apenas a tentativa de explicar o inexplicável.
E quanto ao problema do determinismo versus livre-arbítrio? A questão é a relação entre essas duas realidades. Na história eclesiástica vemos denominações separando-se de outra em torno dessa questão. Há grupos ferrenhos defensores do divino determinismo e há outros que morrem pelo livre-arbítrio humano. Mas, a verdade é que as Escrituras ensinam ambas as coisas, mas nunca tentam reconciliar esses dois conceitos.
Assim, o determinismo é a tese; o livre-arbítrio a antítese. E constitui um autêntico suicídio espiritual quando alguém simplesmente elimina uma face dessas facetas da verdade revelada.
Ouve-se muito falar que indivíduos não espirituais vivem uma polêmica ignorante constante. Mas aqueles que, pela fé, aventuram-se a dar o salto no escuro, para descobrir a verdade, deleitam-se com aquilo que descobrem.
Quanto à síntese desse paradoxo, para Benjamim ela só pode existir na Mente divina. Naturalmente, é possível que, conforme espiritualidade do homem for crescendo, talvez enquanto ainda mortal (mas muito mais certamente quando já tiver recebido a imortalidade), que certos paradoxos venham a ser solucionados. Mas, antes disso, as soluções fabricadas deixavam Benjamim espiritualmente faminto.
Por causa da diversidade e complexidade da realidade e também em face das limitações da finita e presunçosa razão humana de conhecer o bem e o mal, os melhores esforços do homem para vir a conhecer a realidade, levam-no tão-somente a produzir verdades igualmente razoáveis (ou aparentemente razoáveis), posto que irreconciliáveis (ou aparentemente irreconciliáveis).
Nesses casos – pensava Benjamim -, os homens aproximam-se mais da verdade quando defendem ambos os lados de qualquer questão paradoxal, em vez de defenderem apenas um lado ou outro da mesma questão.
Os homens geralmente buscam mais o consolo mental do que mesmo a verdade, ainda que a maioria não reconheça isso. Contudo, o consolo mental jamais será equivalente à verdade.
Alguém já disse: “Creio porque é absurdo!”. Com isso, ele quis dizer que é uma estupidez de nossa parte supor que a verdade divina precisa corresponder ao nosso raciocínio humano. É verdade que há verdades assim; mas há verdades que estão acima do nosso alcance!
Os paradoxos ocupam posição proeminente nos escritos de certos autores, que têm percebido a inevitabilidade dos paradoxos.  Deus infinito, que vive fora do tempo e que não pode ser sondado, estendeu a mão à mente humana, que é finita, limitada e vive dentro do tempo. Era o que Benjamim depreendia da leitura daquele livro.
Sendo assim, somente os olhos da fé são capazes de divisar algo, onde o intelecto falha totalmente. A fé tateia a verdade real em ideias e circunstâncias; e essa fé – e apenas ela - compreende que somente a Mente divina tem a síntese dos paradoxos. E isso significa que essa síntese está à nossa disposição? Dizem que talvez não para esta vida, não para o homem ainda em sua mortalidade – tal crença Nietzsche chamou de “muleta metafísica”.
No entanto, muitos intérpretes, quanto a questões críticas, reconhecem apenas um polo, quando há dois: o lado divino e o lado humano.
Benjamim acreditava que o homem que reconhece os “opostos” quanto a certas verdades fundamentais e procura expor descrições sobre ambos, talvez com alguma tentativa de reconciliação, é um homem que estará mais perto da verdade do que aquele que apresenta uma boa descrição sobre um só dos polos, mas ignorantemente supõe que esse polo não tem o seu oposto natural.


No mais, deixamos aqui escrita a passagem que deu origem a todas essas reflexões em Benjamim; ela encontra-se em Mateus, capítulo vinte e dois, versículos de trinta e sete a quarenta.

“Respondeu-lhe Jesus: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu
coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é
o grande  e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este,
é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois
mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas.”

O que mais podemos dizer ainda sobre nosso herói? Benjamim buscara a Deus, e, finalmente, entregara sua alma a uma direta comunhão com Deus, e não tanto a uma abordagem meramente intelectual.

EP. Gheramer










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