Palavras ao Vento Literatura

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

QUEM SERÁ TONINHO ?






Ele tem apenas sete anos e não é culpado pelo mundo onde
mora; porque não o fez e dele não participa, pois ainda não atina
entender porque a alegria demora.
Nem sempre come, e quando o faz é em caçarola, pois a
comida é cretina, a água cheira a creolina e mesmo assim, falta
toda hora.

Queria ele poder brincar, ter alguma diversão, poder estudar e
ter algum incentivo; queria poder olhar um mundo incrível, e não
só a escravidão.
Não podia e não queria entender, que o mundo que ele tem é de
duro labor, pois é grande o fardo e trabalhava feito gado, para
ter algum valor.
E assim Toninho vivia, sem ser criancinha lá no fim de
Pernambuco, onde o trabalho é sem fim, e o futuro é ruim, onde
se falta de tudo um pouco.

Filho de Barnabé com Maria e irmão de mais de dez, andava no
chão rachado, matuto que nem bicho do mato, e não sabia o que
era um réis.
Na barriga, meio quilo de bosta, das duas pernas uma é torta e
do nariz catarro escorria, no sangue a hemofilia que não dava
nem um dia de chance para viver, pois no sertão que ele vivia,
só ali sobrevivia quem se prepara para morrer.
No cabelo queimado a sol, uma fortuna de piolho lhe sorria, e
todo mundo percebia na cabeça do garoto, cabelo ruim que nem
galho morto, que a lêndea lhe cobria; que dali não sairia menino
saudável e risonho que tenha no futuro bisonho, nem um dia de
alegria.
E há muitos que pensam que não venha do Sertão algo bom e
folheado a ouro, pois os meninos tolos que vivem na cidade, não
sabem nem a quinta parte, que é aquele matadouro.

O pai na roça para os outros labutava, a mãe cozinhava quando
algo tinha; e a prole que chorava sem parar, esperava saciar a
fome que era amiguinha; não se acabava a fome desses
meninos, que choravam se sacudindo, e sonhavam em matar a
fome; que só pede um grão de fava, um pedaço de pepino.
Matavam a sede na baba sem ter a quem comida e água rogar,
passavam as horas pardas a imaginar em que rodada da vida, a
sorte pouse ainda, e venha auxiliar.
Pois não há outra escapada, quando a fome visitava as tripas, e
no canto da barriga a coluna é apertada, e no meio da quebrada
o choro é intenso, e não tem descanso nem alento, um corpo
franzino, se pondo a definhar.
Da carreira de menino tudo desnutrido, feio e fraco, que se
escondem em um barraco feito de barro do rio, se nota todo
arredio que é essa vida ingrata, a qual não traz ouro nem prata
para quem é vira lata, nesse mundo tão “gentil”.

Vida que presenteia, no fim dessa enorme teia, com seus dias
malfadados, a quem não saia machucado, pois vive bem a vida
quem não passou nem uma quinta no Sertão seco e brabo.
E não tem farinha no prato para a plebe que chora sem parar, e
por mais que a fadiga se apresse, por mais que a cara
envelhece, por mais que as pernas se estremecem, não tem
como não chorar; porque ali, por mais que se lute por um grão
de arroz, de cada dois meninos sem futuro garantido, nesse
mundo tão sinistro, não há comida para os dois.
E a verdade de Toninho, que é fraco e magrinho e nem sabe o
dia certo que nasceu, vai está escrito nesse poema, para ver se
a tua desculpa dá esperança a um ateu.

Nasceu em casa mesmo, em uma cama de capim, e dali em
diante, como um africano imigrante, conhece a vida pedante que
lhe fabricou assim; para então confiante, seguir verão adiante,
sem saber o que é um jasmim.
Pois não tem cor no sertão, e na fome não tem graça nenhuma;
não é bom morrer de sede, e sabe disso quem lá esteve, e não
só quem vê pela televisão.
Não mamava todo dia, pois leite no peito não tinha e nem massa
para ferver; comia quando tinha, e nem mesmo uma aguinha,
tinha para ajudar a crescer. Matar a sede é coisa rara, pois água
ali não há, e nem mesmo uma laminha, para por na cabacinha,
pode-se contar; pois o sol é fumegante, o calor é estonteante, e
a vida é de matar.

Toninho não compreendia essa realidade fadada à tristeza e a
dor, não sabia sua cabecinha onde estaria à estrelinha, que guia
até “Deus, o bom pastor”.
Disputando palma com as vacas magras, bebendo lama quando
tinha, esperava a noitinha a ajuda que não caia do céu, vivia
Toninho, magro e fraquinho, sem saber o porquê a vida, não lhe
dava um pouco de mel.
As duras penas ia vivendo, é bem certo que vendo os irmãos
morrendo, e a cada dia uma incerteza, pois assim é a realeza da
vida dos infortunados, que teu Deus dá um bocado, quando é
agraciado, com a esmola decimal
dos escolhidos seus.

De quem reza com tripa roncando de fome, com esperança, mas
sem nome, esperando que papai do céu não embrome, mas
antes veja a vida infame de um filho seu, o qual não teve crime
maior, não praticou horror algum, que não o de ser um sertanejo
plebeu.
Gente que não tem nem o MOBRAL, mas recita com ardor e
alegria, pai nosso, anjo da guarda e salve rainha, faz vigília e
ladainha, para ver se passa a fome e o descaso, que ponha fim
naquilo que mata gente, grama e gado, que ponha um fim nessa
vida mesquinha.

Então, no chão duro e rachado onde morre até calango, passava
a vida se perguntado por que não foi agraciado, pois não é de
bom bocado Deus ver seu filho sofrendo, e Toninho ia morrendo,
cada dia como um desgraçado.
Por ali não passa inglês para ver o que acontece, ninguém quer
saber da fome que a vida tanto tece, e se nasce um, morre três,
mostra assim toda vez o quanto à vida é bela; e da casa de
tapera, o ano todo Toninho espera para ver a ajuda do destino,
que sairá do intestino do Deus que o padre tanto venera.
E vivia a vida amarga de não ter nenhuma etapa no plano divino,
e semelhante a um beduíno, vivia o seu destino no deserto do
sertão; e como parte da salvação tinha que arrepender-se de
seu pecado crasso, de haver estraçalhado uma galinha no oitão.

Toninho quis fugir da morte certa na seca, e buscou a vida feita
através daquele pau de arara, e numa noite só com a cara,
desceu sem saber nada da capital que não lhe esperava e não
lhe devia respeito, e com aperto no peito, abraçou mais aquele
cabra.
Analfabeto de pai e mãe que nem dinheiro conhecia, foi
trabalhar na padaria de um gordo libanês, o qual só pagaria a
estadia se ali na caixinha, botasse muito dinheiro o freguês.
Trabalhando para comer sem ter nem onde deitar a cabeça,
Toninho pergunta a Têca se ele podia dormir no quintal dela,
porque igual a uma sentinela pedira ao patrão para dormir no
serviço, o qual lhe respondeu que era longe o paraíso, e é mais
perto a favela.

Têca deixou ele dormir bem perto do cachorro, que era magro e
horroroso, e quando latia babava, e jogava a sua lata na cabeça
de quem perto estava, de um modo ardiloso.
Toninho deitado ali se perguntava o que era esse tal de mar,
esse tal de rádio e essa tal televisão; perguntava sem saber
falar, também não tinha com quem conversar, pois não se fala
com um cão.
O cachorro rabugento lhe repassa por um ardimento umas dez
ou quinze pulgas, que se encarregam de fazer o ferimento, onde
não tem mais alento, uma coleção de verrugas.
Uma bela sarna foi o resultado da noite com o canino, e
parecido com um menino que não mede conseqüência, Toninho
sem peso na consciência mete a mão na coceira em frente ao
freguês, que espalha com rapidez a nojeira que tinha visto, e se
não fosse por um amigo, tinha falido rapidíssimo, a padaria do
libanês.

Mandado embora a faca, corre fraco pela praça sem saber onde
parar, e não tendo mais força para correr, não tendo mais o que
fazer, resolver então descansar.
Sentado no banco olhando para o tempo e inquirido sobre a
vida, nem nota a senhorita sentada bem ao lado, que pergunta
com cuidado sobre a vida do rapaz, pois não o tinha visto
jamais, naquele banco frio de cimento, e como não tinha
esquecimento, queria saber o que ali o traz.
Depois de tudo explicado era ali o ponto fraco que ela precisaria,
pois está difícil na cercania, pegar um matuto tão descuidado.
“Vende aqui esse mato que tu vai ganhar dinheiro com isso, e
não te preocupes, meu amigo, em saber do que se trata, pois
vale tanto quanto a prata e dá rumo ao indeciso, pois mostra o
paraíso para quem vem para esta praça”.

Em dois dias chega a policia que nem quis saber quem
forneceu, baixa a porrada no Toninho que apanha igual burrinho,
sem saber o que aconteceu.
Na prisão, divide cela com mais trinta onde só cabe dez, e
lembra da vida seca no sertão, onde sorriso não havia, água era
alegria, e Deus tinha fiéis; onde a vida é sempre dura, doença
nunca cura, onde se morre de revés.
Na cadeia apanhou por ser franzino, fraco e inocente; aprendeu
muito tarde, que a vida não reparte o bolo de forma descente, e
é esse mundo de carne que é a melhor parte, que Deus te dá de
presente.
Saiu de lá um dia em uma fuga improvisada, onde deu uma
facada em um policial demente, o qual agonizou igual gente, até
morrer no corpo da guarda.

Toninho era agora procurado por matar policeiro, que em
Pernambuco se acha dono da navalha e que decide quem
morrer primeiro; e agem assim porque não sabem eles, que faca
não só tem a deles e que é preciso saber viver, e que longe da
farda, é um ser que come e caga e que vai do mesmo modo
feder; não percebendo que não são mais nada, que um simples
capataz atrás de mais dinheiro comer.
Em Pernambuco policia só anda em bando, não para dar
segurança ao cidadão, mas sim para dar substância quando
propina ele abocanha e faz calar o peão; porque eles têm medo
de roubar o nobre, mas não tem medo de roubar pobre, o qual matam de
montão.
E parece que desconhecem que é fácil ficar brabo quando se
anda em bando, que fica todo mundo forte, achando que tudo
pode, verborreando com seu bocão; e que atrás de um 38
enferrujado, todo mundo fala alto, todo mundo vira macho, e
quer sempre ter razão; mas não sabe que por dentro daquela
casca, temendo uma intentada, existe um tremendo cagão.

Com medo Toninho fugiu e tentou salvar a pele, mas não tinha
quem lhe desse uma fuga amiga, porque depois do muro da
cadeia, cada um tomou a veia, de fugir para sua vida.
Voltou para o sertão em um caminhão de descarrego onde
pagou a viagem com suor quente do rosto, e cansado, doente e
roto, não sabia a solução que a vida ia dar, pois a vida bem
vivida com tanta dor e ferida, nele não podia está.

A miséria no sertão não havia diminuído, pelo contrário ela
aumentava, e toda a pequena vizinhança, de tanto sofrer sem
esperança, lá não restava nada.
Alguns pés de xiquexique, um ou outro de mandacaru só ficaram
porque não podiam correr, e igual um condenado, sofrem assim
calados, esperando para morrer.
O chão ainda rachado e a seca braba e triste ensinam a nosso
Toninho, onde é que Deus existe, e se culpa Toninho tem, é a
de um réquiem, desse destino triste.

No Sertão garoto já nasce marcado para morrer, onde é uma
loteria chegar aos dez anos de vida se antes não desfalecer;
coisa que na capital, onde tem água, escola e emprego, onde
menino baderneiro vive no ar condicionado, sem saber o fim
fadado dos que já nascem marcados, os quais Deus gosta de
fazer sofrer.
E Toninho viveu assim com a culpa que você julgar, sem ter
nenhuma ajuda de  teu Deus, do deputado ou do prefeito de lá; que
já nasceu com fim marcado para uma vida vadia, totalmente
arredia à felicidade popular, que só dá cama e comida, água e
moradia, para quem Deus se engraçar.

E esse Toninho é a figura de oito em cada dez que brotam no
sertão, que escutam fedendo a suor, as palavras do padre
gordo, falando da salvação, o qual dá todas as dicas para uma
felicidade rica, no reino de Sião; enquanto essa vida de merda
come as suas tripas, e se consome noite dia a espera de um
milagre, que salve pelo menos a metade, dos que morrem no
Sertão.
E por fim te pergunto de quem é a verdadeira culpa de quem
morre nessa história, e espero que tu não venhas me dizer, que
nisso tudo não há culpado, e que fica por isso mesmo, essa
história de lamento, desse povo derrotado.

Será, pois a culpa dos pais que fabricam tantos meninos por
falta de educação? Será a culpa do governo que deixa o povo
faminto sem dar nenhuma solução? Será então a culpa desse
sistema bruto, que se alimenta de veias, que consome tanto
coração? o qual é mal ao infinito, que devora todo vivo, que vive
a sua expiação?

Ou será por fim a culpa dessa vida que não podemos mudar e
que dita nosso destino, que mata com desatino tanto menino ao
nascer, que devora sem empecilho, a vidinha de um menino,
que tanto queria crescer?
E se a culpa for da vida, se assim for teu pensar, te pergunto
ainda: quem é que essa vida há de comandar?
E se teu Deus é tão bondoso que transforma menino em anjo, e
tu segues assim com teu zelo santo a pensar, sei que devo
advertir-te, que na velocidade que se morre ali, o céu há de lotar.


É  isso

Edson Floyd.




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