Palavras ao Vento Literatura

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

O PIANO






Atenção, muita atenção,
Vendo urgente, muito urgente um piano alemão
Que toca forte e toca fraco, em perfeita afinação
Toca clássico e toca tango, toca rock e baião
Toca tudo que vier, toca até samba canção
Esse piano não perde uma nota, nem sequer por um milhão.

Vendo urgente, muito urgente, um piano alemão
Um piano de família, um instrumento de tradição,
Mas se queres saber porque tenho de me livrar dele,
Vou te dar uma explicação:
É que na casa aqui ao lado vive uma menina que não gosta de
solidão,
Mas que vive presa a um trabalho, onde lava louça, passa roupa
e esfrega o chão,
Tudo isso para deixa brilhando, a casa do patrão
O qual não tem vergonha na cara, de explora uma criança sem
opção
Que adoraria ser moça limpa, e viver uma paixão, mas que
passa o dia inteiro, escutando o piano alemão.

A menina da casa ao lado, às vezes olha com aquele olhar
pidão, como quem diz para diz vida: chega dessa humilhação.
Por que não posso viver uma vida bela, e não mais essa
perturbação? De ter que me baixar para um velho,que faz meus
sonhos parecerem vão?
Por isso vendo urgente, muito urgente, meu piano alemão.

É que na casa aqui ao lado vive uma mocinha a sonhar,
A qual adora as melodias que do piano lindo e grande, eu me
ponho a executar.
E sei que ela escuta quando toco Chopin, Mozart e até Bach,
Mas que também gosta quando toco Cartola, Guerra Peixe e
tico-tico no fubá.
Sei que o velho também escuta, e que quer determinar, as que
horas essa menina der-se o direito de sonhar, pois ele acha que
por pagar um mísero ordenado, ela tem satisfação a lhe dar, e
quer agora dizer o que a menina tem que ouvir, o que ela tem
que engoli e o que tem que gostar.

Velho besta aqui representando o teu e o meu patrão, o qual
deve ir para extinção, pois não pode alguém pagar 30% pelo que
produz a tua mão, e ainda fazer o povo pensar, que emprego é
um favor daqueles de bom coração.
Povo mesquinho e porco, esse que tem medo da revolução, que
diz que todo peão é burro, e bom só ele que é patrão, o qual
soca dentro de uma fábrica quente, um desprotegido
trabalhador, lhe insuflando dentro do peito, pó químico e
benzeno, sulfeto de cobre, ácido e zarcão.
E lhe poda a felicidade dizendo que lá fora é que é o um mundo
cão.
Mas um mundo por ele construído, por tanta ganância, hipocrisia
e ambição.

Mas não vamos fugir da linha do poema, e vamos vender o meu
piano alemão.
Quem sabe assim a menina aqui ao lado, vive uma vida sem
tanta aflição.
Tadinha não tem nem amor, e por companhia só o rodo, a
vassoura e o esfregão.
De meio dia come arroz cheio d’água e uma medida de feijão,
quando cai à noite gelada, é uma cuia de sopa e meio pedaço
de pão, e ainda tem eu na casa ao lado, dedilhando o piano
alemão.
Se bem que até certo ponto, posso até diminuir sua solidão,
executando peças tão lindas, as quais trazem a tona um pouco
de felicidade e palpitam um coração.

Fico imaginando ela na sua cama dura, e eu cá no almofadão,
sentado a frente de um teclado mais branco que um copo de
requeijão.
Atenção todos, vendo urgente um piano de jacarandá, do qual
sua madeira saiu do Brasil para Alemanha, e está aqui na minha
frente, esperando o que vou executar.
Acho que devo tocar uma sonata bem triste, a qual acabe ré, mi
ou fá, mas que deva ser bem melosa, e faça meu peito se
acalmar.
Uma música cheia de sustenido e bemol, escrita em clave de
Sol, com oitavas e semifusas, com lá e ré menor, e que tenha no
fim um dó grave, o qual me faça pensar como é ruim se está só.
De como é péssimo dormir e acordar, sem poder curtir o sol, de
como é horrível viver assim, com a garganta dando um nó,
vivendo dia após dia como se a vida fosse suco de cicuta com cipó.

E digo isso porque no Brasil todo peão trabalha para sustentar
luxo de patrão, o qual anda de limusine, galopa puro sangue,
mas garante que dinheiro não o fez ficar pior, mas se ele brigar
com um cachorro rabugento, eu não sei quem é o melhor.
E o coitado do peão, vive sendo empurrado a morar numa
favela, cheia de rato, barata e merda na rua, enquanto o chefe ri
daquele que calça chinela, daquele que vive a realidade crua.

E o poeta Cazuza já dizia que enquanto houver burguesia não
vai haver poesia, então como achar graça da vida de quem
trabalha até se por a lua?
Sabe caro leitor, esse poema e mais um desabafo do que arte,
porque não dá para viver em casa, sabendo que a peãozada,
não pode nem comprar carne, enquanto o patrão come lagosta e
caviar, perfumado com Lancaster.
E como fica por fim, a menina da casa ao lado?
Como fica então a venda desse piano lindão?

A verdade é que não existe piano e nem menina, e eu inventei
tudo para chamar a tua atenção, para te dizer que mundo
dividido em rico e pobre é pura aflição, pois o rico sempre se dá
bem, e pobre fica com a humilhação.
Mas se eu tivesse um piano, grande e bonito e ainda por cima
alemão, te digo que transformaria ele rapidinho em cifrão, pois
aqui na minha casa não tem lugar para símbolo de patrão, pois
sou peão daqueles que acordam cedo e tem que chegar na hora
do cartão, para não ser descontado, o tempo que passei dentro
do busão.

Mas ainda assim posso falar, que devemos vender os pianos
alemães e acabar com essa guerra injusta, onde uma criança
tem por fralda um pano, e outra uma cheirosa calça enxuta,
onde uma brinca com pedaço de pau, e outra no show da Xuxa.
E para finalizar tanto lixo escrito, deixo aqui um bom castigo para
aquele que não quiser se rebelar: é bom que no teu destino
apareça um chefe cretino que queira te controlar, que vai
mandar até na tua mulher, que mande dentro do teu lar
Caso você leia isso, e deixe a coisa do jeito que está.


É isso


Edson Floyd



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